segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Para o centenário...

O ano de 2011 vai chegar ao fim em alguns dias. E eu não quero deixar passar em branco aqui o centenáio da denominação que faço parte, a Assembléia de Deus. Em 1911, os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren chegaram no Pará, onde a Assembléia de Deus no Brasil foi fundada. Para lembrar disso, trago aqui um áudio do hino 196 da Harpa Cristã (o hinário oficial da AD) cantado por Daniel Berg.





sábado, 5 de novembro de 2011

Da suposta unidade de Roma

Esse post tem suas origens no blog de meu amigo Jonadabe, o Porque creio. Ele fez o seguinte post:

http://porquecreio.blogspot.com/2011/10/so-para-recapitular.html

o qual tece várias críticas para os protestantes (Jonadabe é um ex-protestante, que se converteu ao catolicismo romano). O principal ponto arguido é que os protestantismo está corroído por divisões, que acontecem a cada instante, enquanto a Igreja Católica Romana continuava "Una".

Diante disso, exerci o direito de defender minha fé, fazendo um comentário no post, no qual eu arguia que a unidade romana era apenas aparente: na verdade, a ICAR continha grupos que discordavam entre si e chegavam a atacar um ao outro. Isso provocou comentários de diversos católicos, que por terem maior extensão responderei aqui mesmo. Estou assumindo que o leitor já conferiu os comentários no post do Jonadabe.

Primeiro, de alguém que usa o nickname "Testemunhos Católicos":
Ora, meu Deus do céu! E o que os ritos e grupos da Igreja afetam a sua unidade? Protestante realmente não sabe o que é unidade. A unidade da Igreja está na sua doutrina e nos seus dogmas, na sua moral e na sua fé. Modos diferente de se viver sempre vão existir, e é justamente nisso que se encontra a unidade da Igreja.

Os ritos? O que isso influencia? Os ritos são modos da missa ser celebrada, de acordo com a cultura e os traços locais. Desde quando tudo tem que seguir o rito ocidental latino? Falando de grosso modo, a maneira que nossas pernas caminham não afetam a nossa caminhada em linha reta.
Concordo perfeitamente com você de que o formato dos ritos não afeta em nada seu significado, nem é uma questão crucial. É exatamente um dos motes de protestantismo. Quando eu falei dos ritos, não estava dizendo que eles comprometem a essência, mas que existem pessoas dentro da ICAR que pensam assim e conclamam um "retorno às origens". Você precisa ir dizer isso para teus correligionários tradicionalistas, que pensam de forma diferente. Para comprovar o que eu digo, confira este singelo parágrafo:
Recordando-me desta doutrina certíssima e irrevogável da Madre Igreja [da Eucaristia] e observando as transformações, convulsões e experiências peculiares do que atualmente ousam qualificar de renovação litúrgica, sou como que forçado a concluir que esta balbúrdia se rege por uma doutrina oposta à doutrina ortodoxa. (http://permanencia.org.br/drupal/node/2118, as enfases são todas do autor)
E este artigo segue dizendo que as mudanças litúrgicas comprometem a transubstanciação e a doutrina do Sacrifício de Cristo. Não que eu concorde com isso, repito (sendo protestante, não creio na transubstanciação), estou apenas demonstrando a que ponto os católico-romanos divergem entre si. E o que vem a seguir é quase uma admissão disto, pela boca de outro tradicionalista:
Então quem está dentro da Igreja? Aqueles que aceitam e procuram por em pratica as falsas doutrinas do Vaticano II ou aqueles que as recusam abertamente para permanecer fieis ao que o Magistério, assistido pelo Espírito Santo, ensinou durante dezenove séculos? (http://www.fsspx-brasil.com.br/page%2005-2ja.htm)
Volto a dizer, não concordo necessariamente com as teses dos tradicionalistas nem estou arguindo por elas. Estou usando-as apenas como exemplo de divisões dentro da ICAR.

Em seguida, o "Testemunhos Católicos" diz:
Os grupos? Isso é piada ou algo parecido? Querer comparar Arautos do Evangelho com Testemunha de Jeová só pode ter algum tipo de problema crônico na cabeça.
Oh, certamente minha comparação foi um pouco desproporcionada. As Testemunhas de Jeová, posto que socinianos e pondo todas as decisões doutrinárias como derivadas de seu "Corpo Governante", nunca desceu ao ponto dos Arautos do Evangelho, que chegam a erigir uma idolatria ao "Sr. Dr. Plínio". Vide:

http://www.montfort.org.br/index.php/blog/nova-confirmacao-do-culto-delirante-prestado-a-plinio-correa-de-oliveira/#more-6723

(Oh, a sempre viva Fundação Montfort, o site católico que mais provê recursos para os protestantes no país...)

Quanto à sua insinuação de que eu tenho "algum tipo de problema crônico na cabeça", sugiro que leia Mateus 5:22.

E logo após:
Protestante é tão complexado com suas 500.000 seitas que parecem que ficam com inveja quando ouvem a palavra "unidade". Ai qualquer cor diferente que vê em um mesmo lugar já diz que quebrou a unidade.
Como eu já mostrei, não sou eu que estou dizendo, são os teus próprios irmãos. Vá reclamar com eles. Aliás, de onde saiu esse seu número aí?

Quero também comentar a declaração de um certo Helder:
É por isso que o restante da Igreja se cala quando Pedro fala no 1º concílio(At. 15) e dissolve a discussão entre S. Paulo e S. Tiago.
Você deve ter uma versão especial do livro dos Atos dos Apóstolos, pois o texto disponível para todos tem um conteúdo completamente diferente. A controvérsia não é entre S. Paulo e S. Tiago, mas entre S. Paulo e judaizantes cujos nomes não são mencionados (At 15:1-2, 5). S. Pedro, como discípulo do Senhor, certamente tem sua parte no Concílio de Jerusalém que resolveu esta questão, mas a última palavra não é sua, e sim de S. Tiago (15:13-21). E a decisão é creditada aos "apóstolos e anciãos, com toda a igreja" (15:22). Não somente isso, mas quando Pedro acaba, em Antioquia, a concordar momentaneamente com os tais judaizantes, é duramente repreendido por Paulo (Galátas 2).

Não quero, porém, focar a discussão no "Primado de Pedro" e sua relação com a autoridade do Bispo de Roma (ainda que seja oportuno fazer isso em outro momento). Meu ponto principal é que os católico-romanos estão suscetíveis de divisões, tanto quanto os protestantes.

domingo, 30 de outubro de 2011

Flamingos mexicanos formam um Megazord

Tá certo que o que mostrarei aqui tem quase um ano de idade, mas ainda assim é bizarro e engraçado: um grupo de flamingos distribuído de forma tal sua visão aérea lembra um flamingo:


A imagem foi tirada no México por um fotógrafo chamado Bobby Haas. Ele havia passado o dia fotografando pássaros e ao sair do local de helicóptero, viu o seguinte fenômeno. Para tornar a situação ainda mais cômica, alguns sugeriram a similaridade com os Megazords de Power Rangers. Caso alguém não teve infância para saber do que se trata, em todas as 12334324 versões de Power Rangers existem robôs tripulados por cada um dos heróis chamados Zords, que podiam se unir para enfrentar inimigos maiores, formando um Megazord.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A bomba norueguesa era cristã? Respondendo a um vídeo

Esses dias vi um vídeo de um ateu chamado Yuri que, numa resposta a um outro vídeo, discutia a relação do ateísmo e do cristianismo no recente massacre realizado na Noruega e na violência em geral:




Por achar o vídeo interessante, e para quebrar o ritmo de posts quase anual desse blog, resovi tecer aqui alguns comentários sobre isso.

Primeiro de tudo, eu não sei se o realizador dos atentados (Anders Behring Breivik, fiz uma copicola disso pois não sabia esse nome) estava impulsionado pelo ateísmo ou cristianismo ou qualquer outra visão de mundo particular. Não li a "Declaração Européia de Independência" que ele deixou na internet, e portanto não sei dizer suas razões. Quero não discutir isso, mas as declarações mais gerais que foram feitas.

Certamente muita gente estranhará que eu estou respondendo não com um vídeo, mas com um texto. É que eu cresci com internet discada, e não tenho lá muita intimidade em ver vídeos muito longos, nem gravá-los e colocá-los na internet -- não por gosto mas por falta de familiaridade. Isso perdura mesmo depois de já ter mais banda de internet.

Existem dois grandes argumentos no vídeo: uma acusação de Falácia do Escocês para os cristãos, e uma catena de trechos do Novo Testamento que supostamente apóiam um comportamento violento, de maneira que o cristianismo tem em sua essência um elemento hostil. Vamos a eles.

A Falácia do Escocês

Primeiro, eu não tenho muito a discordar do que o Yuri disse acerca da Falácia do Escocês. Trata-se basicamente de um argumento ad hoc, em que uma definição ou argumento prévio é alterado perante nova evidência. De fato, cristãos fazem isso certas vezes, num movimento deveras inválido. Deve-se notar que ateus também fazem uso dessa falácia: por exemplo, já vi alguém tentando arguir que Stálin, o cruel governante soviético conhecido pela perseguição religiosa, era na verdade um cristão, pois havia na juventude estudado num internato ortodoxo (!).

Quero notar, porém, que muitos aplicam tal falácia involuntariamente. Geralmente tais cristãos vêm de um ambiente evangélico (do qual eu também faço parte), em que "ser cristão" é sinônimo de uma experiência de conversão, que leva a uma mudança de comportamento e atitudes pecaminosas. Mesmo que a maioria das pessoas no ocidente creia no Deus cristão e em Jesus Cristo (que é a definição básica de cristão), o fato de que eles não deixam tal fé permear toda a sua vida faz com que eles possam não ser considerados "cristãos de verdade".

Há, contudo, casos em que há quantidade de evidência tão forte que o cristianismo de certas pessoas é apenas algo de boca pra fora, em que o argumento de "não é um cristão de verdade" deixa de ser ad hoc e torna-se um argumento legítimo. (E talvez o cara do canal "CasandoOVerbo", citando longos trechos do documento do terrorista que possuem certo teor anti-religioso, tenha feito isso.)

Por último, e mais importante: não é porque alguém de uma dada visão de mundo comete um certo erro que a visão de mundo possa ser responsabilizada por ela. Trata-se de uma outra falácia: falácia de generalização indevida. Da mesma forma, sabemos que governos que aderiram ao ateísmo como posição oficial (como o stalinista citado acima) provocaram massacres em massa de sua população, e nem por isso deve-se concluir que todos, ou mesmo a maioria dos ateus sejam violentos... A atitude de certos cristãos não determina a de todo o cristianismo.

O Novo Testamento incentiva a violência?

Se eu concordo basicamente com o primeiro argumento do Yuri, discordo totalmente do segundo, que falha miseravelmente. Ele faz várias citações do Novo Testamento, onde Jesus ou os apóstolos estariam apoiando a violência, como algo desejado por Deus. Na verdade, ele compreendeu bem pouco esses textos. Eu comentarei a catena dividindo-a em três grupos:

1- Textos que falam de assuntos completamente diferentes de violência;
2- Textos que são na verdade citações do Antigo Testamento, utilizado pelo autor para realizar um argumentação;
3- Textos que falam de atos divinos em relação ao mundo, dos quais o cristão não toma parte.

Vou demonstrar isso com alguns dos textos (não todos os que o Yuri citou, por razões de espaço):

1- Textos que falam de assuntos completamente diferentes de violência:
Por exemplo, Mateus 10:34-37:
Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra, e assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.
Na verdade este texto está falando da perseguição que os cristãos sofreriam, que seriam realizadas até mesmo pelos familiares deles, não de uma ordem para que os cristãos iniciem uma guerra violenta contra os não-cristãos. Bastava ler um pouquinho acima no mesmo capítulo paar entender isso:
Acautelai-vos, porém, dos homens; porque eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas, e sereis até conduzidos à presença dos governadores, e dos reis, por causa de mim, para lhes servir de testemunho a eles, e aos gentios. Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como, ou o que haveis de falar, porque naquela mesma hora vos será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós. E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai o filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e os matarão. E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. (Mt 10:17-22)
Talvez alguém objete que não se deve exigir a defesa até à morte de uma causa (o que eu acho bem improvável, já que isso é reconhecido em outros pontos como, a questão da proteção de outrem), mas isso está fora do escopo desse post. É claro que não há aqui nenhuma incitação de violência por Jesus, mas a ordem de suportar a violência feita contra eles. É o mesmo caso de Lucas 12:49-53 e João 12:25.


2- Textos que são na verdade citações do Antigo Testamento, utilizado pelo autor para realizar uma argumentação:

Um exemplo disso é quando Yuri cita Mateus 15:4-7 (ele só lê o versículo 4, porém):

Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. (inseri o versículo 8 para melhor compreensão)
Obviamente, Jesus não está ordenando que os cristãos matem quem desrespeita o pai e a mãe (e ao contrário do que o Yuri diz, o texto do AT citado não está falando de crianças, mas isso já é outra história). Ele está arguindo contra a prática de abandonar o pai e a mãe com o pretexto de estar oferecendo a possível ajuda a eles "ao Senhor" (i.e., como uma oferenda no Templo). Jesus demonstra como Deus abomina a negligência com os pais através do texto supracitado, logo tal prática acabava indo contra o que Deus ordenava e punha a mostra a falsa religiosidade dos proponentes dessa prática.


3- Textos que falam de atos divinos em relação ao mundo, dos quais o cristão não toma parte:

Essa é a categoria onde o Yuri é mais infeliz nas suas colocações. São ou descrições de algum ato punitivo divino, ou o anúncio dele. Por exemplo, quando Jesus emite juízos contra Corazim, Betsaida e Cafarnaum (Mt 11:20-24), é Deus quem irá castigar esses locais por terem se recusado a se arrepender (e pela linguagem usada, não se trata nem de algo realisado no plano temporal, mas no além-túmulo), e não há nenhuma incitação de que os cristãos destruam essas cidades (ou qualquer outra que recusa os ensinamentos de Jesus).

Alguém pode argumentar que Deus não tem direito de aplicar tais punições e isso o torna cruel, mas isso está além do escopo desse artigo. O que importa aqui é que tais ações divinas não incitam a violência por parte dos cristãos -- na verdade, elas são razão para a não-violência dos cristãos, vide Romanos 12:18-20:

Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.

Logo, a destruição das cidades galiléias acima, a cegueira de Elimas por ele ser um mago anti-cristão, a morte de Ananias e Safira por sua mentira e a praga sobre Herodes, sendo todos exemplos de punições divinas sobre alguém, não pode ser modelo para as ações dos cristãos, pois tais atos são exclusivamente divinos. Tomar a incubência de realizá-los seria tentar tomar o lugar de Deus.

Gostaria de fazer também uma correção no que foi dito sobre a morte de Herodes. Na verdade, ele não foi "atacado de vermes" por simplesmente não ter dito "glória à Deus", mas por ter deixado que uma adoração lhe fosse dada (mas o contexto do capítulo parece sugerir também uma punição pela perseguição aos cristãos por ele deflagrada, cf At 12:1-3, 19):

E num dia designado, vestindo Herodes as vestes reais, estava assentado no tribunal e lhes fez uma prática. E o povo exclamava: Voz de Deus, e não de homem. E no mesmo instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus e, comido de bichos, expirou. (Atos 12:21-23)


sábado, 20 de agosto de 2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"Invenção do Cristianismo" e o Jesus espiritual em Paulo

Fazem anos que não escrevo nada aqui, e parece estranho fazer uma continuação de um artigo depois de tanto tempo, como resposta a outro mais velho ainda. Meu principal objetivo, porém, não é mais responder exatamente o que o autor do outro blog (que se auto-denomina “Fiat Inquisitio”) diz, mas utilizá-lo como ponto de partida para o que parece estar se tornando uma tendência no “debate” (uso aspas porque entre historiadores profissionais, não há debate algum...) da existência de Jesus em português: que os primeiros cristãos concebiam um Cristo unicamente espiritual, e por isso pode-se concluir que um Jesus histórico foi uma etapa posterior e puramente imaginada. Já há em inglês farto material sobre isso (tanto dos que promovem quanto dos que combatem essa tese), que citarei extensivamente.

A tradição de Jerualém [sic]

Os estudiosos modernos começam a reconhecer a grande divisão entre o mundo dos Evangelhos e o mundo das Epístolas. Eles postualm [sic] que o que aconteceu em resposta ao "ministério de Jesus" na Galiléia ficou separado do que ocorreu em resposta à "morte" dele em Jerusalém, já que as duas tradições aparentemente não têm nada em comum. O documento que supostamente relata a carreira de pregação de Jesus nas cidades e no campo de sua província natal (o documento "Q" espalhado em Mateus, Lucas e do evangelho de Tomé), não fala nada sobre ele ir a Jerusalém ou sobre o que teria ocorrido com ele lá. Não há referência à morte e ressureição [sic] e nem à figura de Jesus no papel de salvador. No outro lado da divisão, a mensagem "kerygma" (proclamação) de apóstolos como Paulo, que andavam pelo império pregando o Filho de Deus, não fala nada do ministério na Galiléia. As epístolas de Paulo não falam nada de ensinamentos, indicação dos apóstolos, nem detalhes biográficos do Cristo Jesus. Elas focam inteiramente no Filho Espiritual e a redenção pela morte sacrifical e ressurreição. As epístolas nunca falam de um contexto histórico terreno. [ênfases dele]

"Estudiosos" são referidos aqui, mas na verdade só há um escritor nos tempos atuais que defende a tese que Paulo descrevia um Jesus totalmente espiritual, não terreno, como eu já disse no post anterior: Earl Doherty. Doherty iniciou sua hipótese do "Jesus-mítico" [1] lançando um livro chamado The Jesus Puzzle: Did Christianity Begin with a Mythical Christ? Challenging the Existence of an Historical Jesus ("O Quebra-Cabeça de Jesus: O Cristianismo Começou com um Cristo Mítico? Desafiando a Existência de um Jesus Histórico", sem tradução para o português), mas ele alcançou mais sucesso na internet, com seu site [2]. Doherty descreve sua tese como segue:

A terra [para os antigos] era apenas uma camada de um sistema nivelado que progredia da matéria base onde os humanos viviam até o nível puramente espiritual onde Deus habitava. As esferas entre as duas continham outras partes do “mundo”, povoadas por classes de anjos, espíritos e demônios. Esta visão era especialmente prevalente no pensamento apocalíptico judaico, que via várias figuras e atividades envolvidas no iminente fim do mundo como localizadas nestas camadas acima da terra. [...] Na sua forma e habitat divino um deus não poderia sofrer, então ele tinha de tomar alguma semelhança à humanidade (ex., Filipenses 2:8, Romanos 8:3); seu ato salvador tinha de ser um sacrifício de "sangue" (ex., Hebreus 9:22) porque o mundo antigo via isto como o meio básico de comunhão entre o homem e a Divindade; e isso tudo tinha de ser feito dentro do território da humanidade. Mas este [território] ainda poderia estar dentro destas dimensões espirituais mais baixas acima da terra que agiam sobre o mundo material. E de fato isto é precisamente o que Paulo relata. [3]

Em resumo, "tudo em Paulo aponta para uma crença num Filho completamente divino que 'viveu' e agiu no campo espiritual, no mesmo cenário mítico em que todas as outras divindades salvadoras da época eram vistas a operar." [4] Doherty amplia essa afirmação para todas as outras epístolas do Novo Testamento, e até mesmo alguns trabalhos patrísticos do fim do primeiro e início do segundo século. Essa hipótese não recebeu aceitação pela grande maioria dos estudiosos do Novo Testamento, e por isso quase toda a discussão sobre ela se dá na internet.

Particularmente, eu não sou totalmente contrário à tese de Doherty. O conceito de um Cristo agindo em dimensões espirituais é útil para entender certos aspectos das cartas de Paulo, mas de forma alguma pode-se reduzir o Jesus ali descrito somente a isso! Eu já mencionei, no post anterior, um conjunto de passagens Paulinas que fortemente sugerem um Jesus terreno. Mas eu quero comentar algumas daquelas passagens, adicionar outras e inserir as respostas de Doherty em relação a elas (com meus comentários como tréplica). Depois, ir no ponto em que o "Fiat Inquisitio" é mais enfático: o suposto silêncio de Paulo acerca de detalhes da carreira pública de Jesus.


1. Há evidências de um Jesus terreno nas cartas de Paulo?


Simplesmente listar todas as vezes em que Paulo narra algum acontecimento com Jesus, como a história da paixão em 1 Coríntios 15:3-4, não iriam derrubar a tese de Doherty. Ele poderia simplesmente arguir, e com toda a razão, que o objetivo de Paulo era descrever os atos de Jesus no mundo espiritual. Referências de que ele tomou a forma de homem, com carne e sangue, ou que foi crucificado, enterrado e ressuscitado, assim, não movem o prato da balança pra nenhum dos lados: são necessárias passagens que impliquem mais firmemente um contexto terreno. Elencarei algumas dessas passagens aqui.

OBS.: A fim de facilitar o debate, eu me foco nas cartas unanimemente reconhecidas como Paulinas: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Galátas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon. Porém, frequentemente Doherty insere passagens de cartas geralmente só consideradas de Paulo pelos cristãos (Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo e Tito). Quando ele fizer isso, me sentirei livre para fazer o mesmo.
  • “(...) acerca de seu filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne (...)” (Romanos 1:3, ACF, cf. 15:12)

A implicação é óbvia: como Davi era, para Paulo, um ser terreno, segue-se que para Jesus ser descendente dele, também tem que ser deste mundo. Doherty responde que:

“De fato, as escrituras estavam cheias de previsões que o Cristo, o Messias, seria descendente de Davi. Paulo, ao ler estas, teria aplicado-as à sua versão particular do Filho, o Filho que era uma entidade espiritual, não humana”. [5]

Ainda que meio obscuro, isso parece dizer que Paulo não pretendia dizer que Jesus literalmente era um descendente de Davi, mas imaginava isso como apenas um título ou alegoria, com as funções esperadas do Messias filho de Davi sendo cumpridas pelo Cristo espiritual. Doherty tenta facilitar tal interpretação arranjando uma outra tradução para kata sarka (segundo a carne): “na esfera da carne”, o que corresponderia à zona espiritual mais baixa em que Jesus teria agido:

“Paulo está usando kata para se referir a algo comona esfera da carne”, e “na esfera do espírito”, o que é uma sugestão feita pelo eminente estudioso C.K. Barrett. Tal tradução é, de fato, bastante útil e possivelmente precisa.” [6]

Contudo, sempre que Paulo utiliza kata sarka em combinação com alguma declaração de parentesco, ela é claramente literal:

“Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?” (Romanos 4:1, ACF)

“Vede a Israel segundo a carne; os que comem os sacrifícios não são porventura participantes do altar?” (1 Coríntios 10:18, ACF)

“Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne (...)” (Romanos 9:3, ARC)

Certamente para Paulo os israelitas, Abraão e ele mesmo (!) não estavam numa dimensão celeste! O único outro significado de “segundo a carne” é para se referir a incipiência espiritual por parte do fiel (ex. Rm 8:5 “Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as [coisas] da carne; mas os que [são] segundo o espírito, para as [coisas] do espírito.”). Porque só nas passagens sobre Cristo o significado seria “na esfera da carne”, indicando algum local além da Terra? Bernard Muller nota ainda que:

“[O] que Barrett quis dizer poresfera” em seu contexto? Aqui está:

“‘na esfera da carne, nascido da família de Davi; na esfera do Espírito Santo, apontado Filho de Deus” [Tradução não-ortodoxa de Rm 1:3-4 feita por Barrett]

A preposição aqui traduzida ‘na esfera de’ poderia também ser traduzida ‘de acordo com’, e ‘de acordo com a carne’ é uma frase Paulina comum; neste versículo, porém, Paulo não quer dizer que num julgamento carnal (humano) Jesus era um descendente de Davi, mas que no campo denotado pela palavra carne (humanidade) ele era verdadeiramente um descendente de Davi.C.K. Barrett, The Epistle to the Romans, página 20

Barrett nunca quis dizer um céu inferior carnal & demoníaco, em qualquer contexto. Nem chega perto![7, ênfases dele]

  • “Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; que são israelitas, dos quais [é] a adoção [de filhos] e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais [são] os pais, e dos quais [é] Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém.” (Romanos 9:3-5, ARC)

Estando Jesus incluído entre os israelitas, ele deve ser um ser que passou pela terra. Já mostrei como a utilização de “segundo a carne” faz com que esse parentesco seja literal.

  • “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como [falando] de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.” (Gálatas 3:16, ACF)

Outro caso de ascendência: se Abraão era um homem terrestre para Paulo, então Jesus também deve sê-lo. Doherty retruca:

Já que Paulo definiu um pouco antes esta “semente” como o próprio Cristo, alguns alegam que isto é uma clara referência à chegada de Jesus no sentido histórico. Mas eles não notam o fato que tal definição foi feita a fim de ligar os gentios a Abraão através de Cristo, então é o crente gentio dos dias atuais que pode estar em mente aqui. [8]

Doherty está correto em dizer que Paulo diz que Jesus é a semente de Abraão para poder estender isso para os gentios:

“(...) para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito. Irmãos, como homem falo; [se] a aliança de um homem [for] confirmado, ninguém a anula nem a acrescenta. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como [falando] de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo. [...] E, se [sois] de Cristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa.” (Gl 3:14-16, 29, ACF)

Mas como poderiam ser ligados os “gentios a Abraão através de Cristo”, se Cristo não fosse considerado como um real descendente de Abraão? Se Paulo não tivesse isso em mente, todo o seu argumento seria arruinado!

  • “(...) mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos.” (Gl 4:4-5, ACF)

Essa referência a Jesus nascido de mulher deixa pouco espaço para idéias dele como um ser completamente espiritual. Doherty argumenta de várias formas para defender sua hipótese: primeiro, ele diz que Paulo poderia ter em mente um nascimento ocorrendo numa dimensão espiritual inferior, oferecendo como exemplo de algo do tipo o nascimento do deus grego Dionísio, uma interpretação que de fato é possível. [9] “GakuseiDon”, porém, citando outros escritos, sugere que “nascido de mulher” era uma expressão para denotar pessoas que estavam na terra:

Alguns exemplos de “nascido de mulher” para significar “ser humano”:

No Velho Testamento:

Jó 14:1

O homem, nascido da mulher, [é] de bem poucos dias e cheio de inquietação.

Jó 15:14

Que [é o] homem, para que seja puro? e [o que] nasce da mulher, para que fique justo?

Jó 25:4

Como pois seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?

Manuscritos do Mar Morto c. 100 a.C.

c. 1QH 10:23 O que é o espírito da carne para sondar todas essas matérias e para apreciar teu grande e maravilhoso segredo? O que é alguém nascido de mulher entre todos os teus impressionantes trabalhos? Ele é uma estrutura de pó modelada com água, sua base é a culpa do pecado, vil inadequação, fonte de impureza, sobre o qual o espírito de degeneração domina.

Talmud c. 200 d.C.

Tratado Shabbath 88b

Quando Moisés subiu nas alturas, os anjos ministradores falaram diante do Santo, Bendito seja Ele, ‘Dominador do Universo! Que negócio tem um nascido de mulher entre nós?’ ‘Ele veio receber a Torá,’ Ele respondeu à eles.

Tosephoth perguntou “Porque Eva não foi numerada entre essas mulheres lindas, se até Sara, em comparação com Eva, era como um macaco comparado ao homem?” A resposta é “Somente aqueles nascidos de mulher são aqui enumeradas.”

[10]

Depois, Doherty argue sobre a expressão grega que Paulo usa nessa passagem para “nascido”, genomenon:

Burton também nota que o verbo geralmente traduzido como “nascido” (genomenon) não é o mais exato para usar para esse conceito; uma forma de gennao, dar à luz, seria mais simples. Ao invés disso, Paulo uma forma de ginomai, que tem um significado mais geral de “tornar-se”, “vir a existir”. “Saído de mulher”, de fato, implica nascimento, mas o ponto é, o conceito mais geral empresta-se melhor à atmosfera do mito, se isto é o que Paulo tem em mente. [11]

Como Paulo concebe Jesus como um ser pré-existente que tomou a forma de homem (cf. Fp 4:5-8), é bem possível que ele tenha usado um verbo único para seu nascimento, a fim de diferenciar a encarnação de outros nascimentos ordinários. Porém, Muller nota que ao menos três autores antigos (Platão, Josefo e Pausânias) utilizaram o mesmo verbo para se referir a nascimentos de humanos [12]. O mesmo ocorre na Septuaginta (Gn 21:3; 46:27; 48:5).

É digna de nota também, nesses versículos, é a descrição de Cristo “nascido sob a lei”. Paulo, seguindo o modelo judaico de redenção, argumenta que Jesus nasceu sujeito à lei para poder remir os que já estavam sob ela. A lei referida aqui só pode ser a lei de Moisés, cujos mandamentos estão num contexto terrestre. Para poder cumpri-la, Jesus deve ter estado na terra, assim como os outros observantes desses mandamentos.

A próxima objeção não vem de Doherty, mas de alguém que escreveu uma resenha bem favorável de seu livro: Richard Carrier. Ele diz:

[...] Paulo realmente diz na mesma carta que a mulher de quem ele está falando é alegórica, representando a Jerusalém “celestial”, não uma mulher real (Gal. 4:23-31). Que esta é a mesma mulher é sugerido pelo fato que esta passagem aperfeiçoa um argumento conectado com o anterior, empregando metáforas e vocabulário similar. É portanto consistente com os próprios escritos de Paulo que ele quis dizer que Jesus era nascido da “mulher” que é a Jerusalém Celestial (cumprindo assim a escritura e a lógica da Cristologia de Paulo). [13, ênfases dele]

Vamos dar uma olhada no contexto da passagem:

“Dizei-me, os que quereis estar debaixo da lei, não ouvis vós a lei? Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia, o que [era] da escrava nasceu segundo a carne, mas o que [era] da livre, por promessa. O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças: uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar [é] Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós. Porque está escrito: Alegra-te, estéril, que não dás à luz; esforça-te e clama, tu que não estás de parto; porque os filhos da solitária são mais do que [os] da que tem marido. Mas nós, irmãos, somos filhos da promessa como Isaque.” (Gl 4:21-28, ACF)

Nota-se que:

a) Paulo não está discutindo a mulher de 4:4 aqui, mas fazendo a alegoria a partir de outras duas: Sara e Agar (ainda que a primeira não seja mencionada por nome, pode ser identificada);

b) Agar é ligada ao pacto sinaítico, pois ela é em Gênesis (Gn 25:18) reputada como ancestral de todos os árabes e o Monte Sinai está na Arábia. Sendo Jerusalém o centro do culto judaico, Agar e seu filho, Ismael, são ligados à Jerusalém terrena e os que ainda estavam sob o pacto mosaico, respectivamente;

c) Sara é ligada ao “novo pacto” ao qual os cristãos pertenciam, por ela ter dado luz à Isaque, o “filho da promessa”, e Paulo antes ter dito que as promessas dadas à Abraão se cumpriram em Jesus e nos cristãos (Gl 3:16, 19, 22); como estes são ditos como pertencendo a cidade que está nos céus (Fp 3:20-21), Sara é alegorizada como a Jerusalém celestial, em oposição à terrena, simbolizada por Agar [14];

d) Baseado nisso, Paulo faz uma comparação: assim como Agar era serva, a lei lida com servidão; e como Sara era livre, o sacrifício de Cristo gerava liberdade. Esse é o único tema que essa passagem compartilha com 4:4.

Na verdade, a mulher alegorizada aqui é Sara (juntamente com Agar), não a que deu à luz a Jesus.

  • “E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor (adelphon tou Kuriou).” (Gálatas 1:19, ACF)

Esse versículo é o mais nocivo para a hipótese do “Jesus espiritual”: não somente põe Jesus num contexto histórico, como também num período relativamente recente, já que um de seus irmãos ainda estava vivo. Miticistas que argumentam a partir das epístolas Paulinas lutam para se livrar dessas implicações a todo custo. A mais rápida objeção é arguir que a denominação “irmão do Senhor” é uma interpolação: improvável, visto que em 1 Co 9:5 esse termo aparece novamente, no plural. É mais comum (e Doherty segue esse caminho), porém, tentar demonstrar que o título de “irmão” não é literal:

O termo irmão (adelphos) aparece através das cartas de Paulo, e era uma designação comum que os cristãos davam um ao outro. Em 1 Corintios 1:1 Sóstenes é chamado adelphos, e Timóteo também é em Colossenses 1:1. Nenhum deles, nem os mais de 500 ‘irmãos’ que receberam uma visão do Cristo espiritual em 1 Coríntios 16:6 estão sendo descritos como primos [sic] de Jesus ou qualquer outra pessoa. ‘Irmãos no Senhor’ (ton adelphon en kurio) aparece em Filipenses 1:14 (a NEB [New English Bible, Nova Bíblia Inglesa] traduz ‘nossos companheiros cristãos’). Certamente essa é a pista para o significado da frase aplicada a Tiago. Há indicações que Tiago era o líder de um círculo particular em Jerusalém que dava testemunho ao Cristo espiritual, e este grupo pode ter chamado a si mesmo ‘irmãos do Senhor’. [...]

Vamos dar uma olhada mais de perto em 1 Coríntios 9:5 [...] e notar especialmente as palavras que Paulo usa. Aqui está uma tradução literal: ‘Nós não temos o direito de levar uma irmã (adelphen), uma esposa, como fazem o restante dos apóstolos e os irmãos (adelphoi) do Senhor e Cefas?’ Veja a palavra ‘irmã’. Ninguém diria que Paulo está se referindo a sua própria prima [sic] ou de qualquer outra pessoa. Ele quer dizer uma crente do sexo feminino, e ele parece usá-lo em aposição ao (descritivo da) palavra ‘esposa’.[15]

Está certo que Paulo usa mais comumente o termo irmão (adelphos) de forma simbólica, para se referir a todos os iniciados no cristianismo, e certamente ao falar de “mulher irmã” ele não está descrevendo um incesto. Porém, nenhum desses termos é idêntico ao de Gl 1:19: abundam a simples designação irmão/os (adelphos, adelphoi), e o mais próximo, irmãos no Senhor (adelphon en Kurio, Fl 1:14), o sentido claro aqui é a irmandade dos cristãos entre si, não com Jesus (igualmente nos cultos de mistério, os iniciados eram considerados irmãos uns dos outros). Quando vemos que já era comum que os cristãos se considerassem “irmãos”, qual era a necessidade de um grupo isolado de indivíduos receber um título com o mesmo significado (ainda mais que não temos qualquer evidência de um grupo de auto-denominando “irmãos do Senhor”)? É mais provável que esses “irmãos do Senhor” (Tiago incluso) sejam “irmãos” em outro sentido, o literal.

  • “[...] falamos da sabedoria de Deus, do mistério que estava oculto, o qual Deus preordenou, antes do princípio das eras, para a nossa glória. Nenhum dos poderosos desta era [archonton tou aionos toutou] o entendeu, pois, se o tivessem entendido, não teriam crucificado o Senhor da glória.” (1 Coríntios

2:7-8, NVI)

A localização dos “poderosos desta era” pode esclarecer se Jesus era considerado um homem terreno ou não. Doherty oferece a seguinte interpretação:

Tanto no palavreado judeu quanto no pagão, a palavra archontes poderia ser utilizada para se referir a dominadores terrestres e aqueles na autoridade (como em Romanos 13:3). Mas também é, juntamente com outras [palavras] similares, um termo técnico para forças espirituais, os “poderes e autoridades” que dominam o nível mais baixo do mundo celestial e que exercem autoridade sobre o os eventos e destino (geralmente cruel) da terra, suas nações e indivíduos. [...] O termo aion, “era”, ou algumas vezes no plural “mundos”, era num contexto apocalíptico e religioso uma referência à era presente do mundo, no sentido de toda a história conhecida, já que a próxima era seria aquela após a Parousia (vinda de Cristo) quando o Reino de Deus seria estabelecido. Uma das principais idéias do período era que o mundo do tempo presente estava sob o controle dos anjos maus e forças espirituais, e que a chegada do Reino traria sua derrubada longamente esperada. [...] Portanto, “poderosos desta era” não deve ser visto como se referindo às atuais autoridades seculares que estavam no poder nas circunstâncias políticas presentes. Ao contrário, Paulo imagina que aqueles na era atual que tem controlado a terra e separado-a do céu, os maus poderes angélicos, estão se aproximando do momento de ‘deixar de existir’. Eles não entenderam o propósito de Deus, nomeadamente a destruição deles mesmos, quando eles inadvertidamente crucificaram ‘o Senhor da glória.’ [16]

Eu penso que, ainda que tenha se esforçado para entender o contexto religioso do primeiro século, Doherty está negligenciando o contexto da própria passagem. Seu tema principal é uma antítese entre a sabedoria de Deus e a sabedoria humana:

“Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era [sizetetes tou aionou toutou]? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que crêem por meio da loucura da pregação. Os judeus pedem sinais miraculosos, e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. [...] Entretanto, falamos de sabedoria entre os que já têm maturidade, mas não da sabedoria desta era ou dos poderosos desta era, que estão sendo reduzidos a nada. Ao contrário, falamos da sabedoria de Deus, do mistério que estava oculto, o qual Deus preordenou, antes do princípio das eras, para a nossa glória. Nenhum dos poderosos desta era o entendeu, pois, se o tivessem entendido, não teriam crucificado o Senhor da glória. Todavia, como está escrito: ‘Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam’; mas Deus o revelou a nós por meio do Espírito. O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as coisas mais profundas de Deus. Pois, quem conhece os pensamentos do homem, a não ser o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus. (1 Cor 1:20-24, 2:6-11)

A argumentação paulina é que Deus resolveu estabelecer sua própria sabedoria, fazendo-a contrária à sabedoria humana. Os sábios deste mundo não entendem a sabedoria divina e se colocam contra Deus (mais especificamente, rejeitam proclamar alguém crucificado, como Messias e filho de Deus), e este resolve escolher um grupo para receber sua sabedoria, através do Espírito. Tal grupo obviamente consiste de cristãos. Paulo critica a sabedoria e poder humanos, caracterizando-os como anti-cristãos e desprezados por Deus.

Não faz sentido Paulo estragar sua polêmica contra a sabedoria dos homens inserindo no meio uma referência à demônios. Vale também notar que no versículo 20, “desta era” (tou aionou toutou) é uma forma de indicar algo que está na Terra (os questionadores, sizetetes), e portanto o mesmo termo usado alguns versículos depois para se referir aos “poderosos” (archonton) deve ter o mesmo sentido.

Doherty estende sua argumentação, discutindo como termos que indicam uma posição de poder são usados em outros locais nas epístolas paulinas. J.P. Holding responde acertadamente:

Ainda que elas não usem realmente a palavra archon em seu texto, Doherty cita algumas passagens paralelas de Paulo para provar seu argumento, e ele começa por citar Efésios 3:9-10:

[...] e esclarecer a todos a administração deste mistério que, durante as épocas passadas, foi mantido oculto em Deus, que criou todas as coisas. A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais [...] (NVI)

[...] “Aqui os poderosos são claramente identificado como os no céu”, dizem-nos.

Sem dúvida: isto é bastante óbvio. Este é exatamente o tipo de “clareza” que está faltando em 1 Cor 2:8. Clareza é encontrada, porém, em Efésios 2:2, o único lugar além de Romanos 13 e 1 Coríntios 2 onde Paulo usa archon:

[...] nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência. (NVI)

Aqui archon é utilizado num sentido singular, e novamente Paulo adiciona modificadores – “do poder do ar”; “espírito” – que diferenciam este príncipe dos poderosos terrestres. Onde está o modificador em 1 Cor 2:8? [...]

Um segundo exemplo é oferecido de Colossenses 2:15 –

E, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz.

Aqui nós não temos nenhum modificador específico, mas Paulo usa a frase “poderes e autoridades” em Colossenses (1:16, 2:10) para designar poderes que incluem o sobrenatural. (Ademais, se 1 Cor 2:8 realmente se refere a poderes sobrenaturais, então é algo inconsistente com o versículo acima: Pois em primeiro lugar, os “poderes” seriam responsáveis por crucificar Jesus; aqui, a crucificação de Jesus é um ato de triunfo sobre eles.) [17]

Doherty também argumenta por autoridade. Primeiro, de escritores do cristianismo primitivo:

Estudiosos que barram esta interpretação das palavras de Paulo e declaram que ele simplesmente quer dizer poderes terrestres que os Evangelhos especificam (ex. Anchor Bible, p. 164) estão indo até contra opinião antiga. Inácio [de Antioquia, escritor cristão do começo do séc. II] usou archon num sentido completamente angélico (Aos Esmirnaeanos 6:1). Orígenes [começo do século III] considerou os archonton de 2:8 como seres espirituais maus, e assim fez o gnóstico Marcião. [18]

Novamente, Holding responde:

Acerca de Inácio: Note-se que Inácio não tem NENHUMA referência a 1 Cor 2:8, e que ele, também, oferece modificadores específicos:

... até poderes celestes, e a glória dos anjos e dos poderosos, ambos visíveis e invisíveis...

Em relação a Orígenes e Marcião – eu me atreveria a dizer que o primeiro, com sua tendência ao misticismo e uma queda para alegorização, e o último, com sua tendência para o Gnosticismo, dificilmente são fontes confiáveis no assunto. Eles estariam inclinados a interpretar QUALQUER passagem num sentido místico se possível dentro de seus próprios paradigmas, como a evidência do restante dos seus trabalhos demonstra.[19]

Por fim, ele apela para estudiosos modernos:

Estudiosos modernos como C. K. Barrett (First Epistle to the Corinthians, p.72), Paula Fredriksen (From Jesus to Christ, p.56), e Jean Hering (The First Epistle of St. Paul to the Corinthians, p.16-17, uma análise curta mas penetrante), sentem-se constrangidos a concordar [com a identificação dos archonton com demônios]. [...] Paul Ellingworth, A Translator's Handbook for 1 Corinthians, p.46, declara: “A maioria dos estudiosos pensa que poderes supernaturais são referidos aqui.” [20]

Gordon D. Fee explica a adesão de tantos estudiosos à essa hipótese:

A despeito das evidências contra essa [interpretação], ela provavelmente não morrerá facilmente, já que aquelas interpretações que veem contextos Gnósticos são particularmente dependentes nessa interpretação para fazê-las funcionar. [21]

E resume os diversos problemas dela:

A evidência lingüística é decisiva: (1) o termo archontes nunca é igualado com o archai de Col. 1:16 e Ef. 6:12; (2) quando archon aparece no singular algumas vezes se refere à Satanás; mas (3) não há evidência de qualquer tipo, tanto em escritos Cristãos ou Judeus até o segundo século, que o termo era usado para demônios; e (4) no NT invariavelmente refere-se a governantes terrestres e Paulo faz o mesmo sem ambiguidade em Rom 13:3. [22]

Alguns comentários sobre 1 Tessalonicenses 2:14-16

A passagem que atestaria mais fortemente a crença de Paulo num Jesus terreno é 1 Ts 2:14-16:

Porque vós, irmãos, haveis sido feitos imitadores das congregações de Deus que, na Judéia, estão em Cristo Jesus: porquanto também padecestes de vossos próprios concidadãos o mesmo que os judeus lhes fizeram a eles, os quais também mataram o Senhor Jesus e os seus próprios profetas, e nos têm perseguido, e não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens. E nos impedem de pregar aos gentios as palavras da salvação, a fim de encherem sempre [a medida de] seus pecados; mas a ira [de Deus] caiu sobre eles até ao fim. (ARC)

Doherty nesse ponto argue por uma interpolação, e ele me parece estar correto.

A finalidade desta ira de Deus deve referir-se a um evento da escala da primeira Guerra Judaica (66-70), quando o Templo e muito de Jerusalém foram destruídos, não, como é algumas vezes alegado (ex., por R. E. Brown), à expulsão de judeus de Roma (aparentemente por agitação messiânica) por Cláudio na década de 40. Esta declaração exultante e apocalíptica dificilmente se aplicaria a um evento local que os Tessalonicenses poderiam ou não estar cientes após vários anos. [...] Há também aqueles que questionam se tal perseguição tomou lugar antes do ano 70 (ver Douglas Hare, The Theme of Jewish Persecution of Christians in the Gospel According to St. Matthew, p.30ff.), indicando que talvez até o versículo 14 é parte da interpolação, por alguém que tinha pouco conhecimento das condições na Judéia no tempo da carta de Paulo. [...]

A segunda razão para estudiosos tenderem a rejeitar esta passagem como não genuína a Paulo é porque não concorda com o que Paulo em outros locais diz sobre seus compatriotas, que ele espera que serão convertidos a Cristo no fim. O sentimento viciado nestes versículos é reconhecido como um exemplo de “anti-Judaísmo gentio” e “estranho à teologia de Paulo que ‘todo Israel será salvo’.” [23]

O segundo e terceiro argumentos são de pouca importância: certamente havia perseguição judaica anti-cristã (Rm 15:31, 2 Cor 11:24), e o fato de o próprio Paulo se declarar um ex-perseguidor é evidência disso. A crença de Paulo na salvação do povo judeu também não contradiz uma declaração de perdição de certos judeus (cf. Rm 2:9). Porém, o primeiro argumento, de que temos aqui uma referência à destruição de Jerusalém, que era desconhecida de Paulo, parece-me ser procedente. Porém, não me encontro em condições de dizer até onde essa interpolação vai, se envolve somente a “ira de Deus” ou também vai até a referência ao assassinato de Jesus. Por ora, ela não pode, como as outras acima, oferecer um bom argumento para um Jesus terrestre.

2. Silêncios de Paulo em relação à tradição dos Evangelhos

Que os Evangelhos trazem todo um material biográfico não presente em Paulo, isso é fato. Ainda que o apóstolo dos Gentios fale em suas epístolas de Jesus como um homem feito de carne e osso, que tinha discípulos, narre eventos de sua vida e até se refira a seus mandamentos, ele está extremamente concentrado no drama da crucificação, morte e ressurreição de Cristo. O centro de sua teologia está nessa cadeia de eventos: Paulo, ainda que mencione que Jesus tinha mãe e era judeu, não diz o nome de seus pais. Ele não alude a nenhum dos milagres que os Evangelhos relatam, nem às interações entre Jesus e governantes da época, nem nenhuma das cidades onde Jesus, segundo os Evangelhos, viveu.

Tais omissões são deveras incômodas, tanto para o historiador secular, quanto para o cristão. O miticista dirá que esses silêncios indicam que as eístolas não contém um Jesus histórico. A resposta não-ortodoxa mais comum para esse fenômeno é que como Paulo, ao contrário dos apóstolos antes dele, não tinha conhecido pessoalmente Jesus, teve que elaborar uma pregação que envolvesse pouco o Jesus histórico, falando de Cristo em termos historicamente vagos, além do fato de que certos materiais dos Evangelhos foram inventados depois de Paulo. [24] Essa explicação mantém a existência de Jesus, mas eu quero tentar uma outra argumentação, mais ortodoxa teologicamente, verificando como Paulo nas suas epístolas lida com outras informações.

Primeiro, no que concerne à vida do próprio Paulo, há uma falta de detalhamento similar. Paulo em várias ocasiões afirma sua origem judaica (Rm 11:1; 2 Co 11:22; Fp 3:5), mas não menciona o nome de seus pais, nem onde nasceu. Fala de como cresceu como fariseu, mas não menciona seus mestres. Quando diz que perseguiu a igreja (1 Co 15:9; Gl 1:13-14; Fp 3:6), não dá detalhes dessas perseguições. Em Galátas 1, Paulo discorre sobre sua conversão e seus primeiros anos de vida como cristão, porém, deixa passar cerca de 17 anos com pobreza de acontecimentos. Por fim, Paulo em vários locais menciona as perseguições que ele mesmo sofreu, sem porém pô-las nos locais onde ocorreram nem dizer quem as realizou.

Uma situação similar existe quando Paulo descreve o mundo em que vive. Somente dois governantes são mencionados, ambos de forma indireta: um anônimo imperador romano, (“César”), em Fp 4:22; e um rei Aretas, em 2 Cor 11:32 (geralmente identificado com o rei Aretas IV da Arábia). É espantoso que Paulo nunca se refira ao templo Herodiano (o mais próximo disso é uma menção em 1 Cor 9:13), nem a nenhum sumo sacerdote mencione pelo nome. E quanto a geografia, o único local da Palestina que Paulo menciona é Jerusalém, e por vezes ele fala de regiões sem mencionar nenhuma cidade nela.

O que então temos não é somente falta de informações acerca de Jesus, mas sobre muitos outros elementos. [25] Esses fenômenos devem ser explicados em conjunto, e dificilmente Paulo não estava ciente dos detalhes de sua vida ou do mundo da época. Vamos dar uma olhada em três características na composição das Paulinas:

1. Gênero e propósito: Com a exceção de Romanos, as cartas de Paulo não eram tratados teológicos bem-elaborados, mas escritos ocasionais, compostos em resposta a certos problemas que as comunidades enfrentavam. Logo, as informações referidas devem estar ligadas, de alguma forma, a esses problemas.

2. Público: Todas as epístolas (Paulinas ou não) tinham como destinatários pessoas que já eram cristãs, e portanto elas não precisavam apresentar uma sumarização de todas as crenças e tradições existentes.

3. Contexto histórico: O milieu de Jesus, seus discípulos e Paulo (judaico) era bem diferente do das congregações que receberam as epístolas (greco-romano). Para que estes compreendessem tradições referentes aos primeiros, certas adaptações eram necessárias.

Quero deixar claro que esse é um tema muito vasto e que não será resolvido numa única postagem de blog. Eu vou primeiro discutir um caso onde a vida de Paulo é mencionada, depois fazer o mesmo com um episódio da vida de Jesus, vendo como essas características podem ajudar a compreender a falta de informações sobre tais temas nas epístolas.

Galátas 1-2 e os primeiros anos do ministério de Paulo

No primeiro capítulo da Epístola aos Gálatas, Paulo apresenta um sumário de seus primeiros anos no cristianismo. Primeiro, fala de sua origem judaica e da perseguição movida conta o cristianismo. Porém, após uma experiência revelatória em Damasco, ele se converteu à fé que antes perseguia. Depois disso, Paulo foi para a Arábia e voltou para Damasco, mas então deixa passar três anos sem falar nada sobre eles, pulando para uma visita a Pedro e Tiago em Jerusalém, sem mencionar o que ocorreu nesse encontro. Ele continua narrando seu ministério, dizendo que foi para “as partes da Síria e Cilícia” e que as igrejas da Judéia tiveram uma boa opinião sobre ele, ainda que só o conhecessem de ouvir falar. Paulo pula mais catorze anos sem menção de nenhum evento, e então fala de outra visita em Jerusalém, para decidir se os gentios deviam ou não se circuncidar.

Como se explica tal pobreza no detalhamento dos acontecimentos, e um silêncio completo sobre 17 anos na narração? Paulo escreveu aos Gálatas com o objetivo de combater mestres que defendiam que os cristãos gentios deviam cumprir a Lei Mosaica (a circuncisão era o ponto de maior conflito), contrariando o ensino paulino:

Porque nem ainda esses mesmos que se circuncidam guardam a lei, mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne. (Gl 6:13, ARC)

Aparentemente, esses judaizantes alegavam receber autoridade da igreja de Jerusalém. À luz disso, a curta autobiografia de Paulo pode ser melhor interpretada. Primeiro, está enfatizado que sua conversão ocorreu por uma revelação divina. Sua descrição de perseguidor da igreja torna improvável que ele daria ouvidos à pregação cristã. Dessa forma, Paulo mostra que suas credenciais, vindas diretamente de Deus, são superiores às de Jerusalém que eram ostentadas pelos judaizantes. Mas ele também quer mostrar que pode preencher este último requisito, relatando como vou estabelecendo boas relações com a igreja de Jerusalém, e por fim recebeu deles a aprovação de sua pregação para os gentios (com isso Paulo quer mostrar que o apoio que os judaizantes supostamente teriam de Jerusalém era falso, cf. Gl 2:4-6). Os outros dados da vida de Paulo eram irrelevantes para esse seu objetivo principal, e sua omissão pode ser facilmente compreendida.

1 Coríntios 11 e a Ceia do Senhor

No capítulo 11 da Primeira Epístola aos Coríntios se encontra uma bem-conhecida passagem, sobre a última ceia de Jesus:

Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, [tomou] o copo, dizendo: Este copo é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. (1 Coríntios 11:23-25, ARC)

Não são mencionados nenhum dos detalhes dos Evangelhos, que a ceia ocorreu em Jerusalém, nenhum dos discípulos é mencionado por nome, nem os acontecimentos que seguiram esse episódio. Mais uma vez, o contexto ilumina nossa compreensão do texto. Em Corinto, assim como na Galácia, estavam ocorrendo problemas, que desta vez eram divisões entre os cristãos. Já no início da epístola, esse sentimento faccioso é condenado (1 Co 1:11-13, 3:3). Tal situação se manifestava também nas refeições comunais da igreja: cada grupo de pessoas celebrava sua ceia separadamente, começando e terminando antes dos outros:

Nisto, porém, que vou dizer-vos, não [vos] louvo, porquanto vos ajuntais, não para melhor, senão para pior. Porque, antes de tudo, ouço que, quando vos ajuntais na congregação, há entre vós dissensões; e em parte o creio. E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós. Assim que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a Ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome, e outro embriaga-se. (1 Co 11:17-21, ARC)

Esse comportamento é condenado e aconselha-se que “esperai uns pelos outros” (11:33). Paulo cita o episódio da ceia de Jesus como uma fonte autoritativa nessa situação. Primeiro, nesse relato há uma ênfase na unidade dos elementos: há um único pão, que é repartido, e um único cálice, de que todos bebem. Segundo, a ceia é feita em memória de Jesus – sua morte deve estar evidenciada, não as divisões dentro da igreja. Terceiro, os elementos da ceia são o corpo e o sangue de Jesus, requerendo um ambiente de reverência e união dos cristãos (que formam simbolicamente o seu corpo). Os detalhes e circunstâncias históricas, que encontramos nos Evangelhos, não acrescentariam nada a esse respeito.

3. Conclusão

Avaliamos a tese do “Jesus espiritual” a partir do seu maior proponente nos últimos tempos: Earl Doherty. Ainda que ela leve em conta como concepções da antiguidade e seja útil em certos aspectos, esbarra em descrições de Jesus como um ser humano, que viveu na Terra. É impossível para tal hipótese lidar com esses fragmentos das Epístolas Paulinas, ou o fazem de maneira ad hoc.

A pouquíssima quantidade de referências feitas ao ministério de Jesus em Paulo (e outras epístolas do Novo Testamento) é apresentada como evidência da sua ignorância desse ministério. Porém, quando levamos em conta que há falta de informações sobre muitas outras coisas que Paulo não poderia deixar de estar ciente (como a sua própria vida), essa situação pode ser melhor explicada como resultado da maneira como as Cartas foram escritas, seus objetivos e estilo.

Notas:

[1] Nas discussões em inglês, a hipótese de que Jesus é uma figura não-histórica é chamada de vários nomes: ahistoricity (a-historicidade); myticism (miticismo); Christ-myth hypothesis (hipótese do Cristo-mítico), mas em português não há nenhum termo fixo. Eu utilizo os termos "Jesus Nunca Existiu", Jesus-mítico ou miticismo.

[2] Esse site consiste de cinco artigos principais (Main Articles) em que Doherty desenvolve a tese; um conjunto de artigos suplementares (Supplementary Articles) em que ele dá mais argumentos para sua hipótese; um trabalho de ficção chamado "The Gamemaster", no qual os personagens se envolvem com a questão da existência de Jesus; e um conjunto de respostas a leitores e outros estudiosos.

[3] The earth was but one layer of a tiered system that progressed from base matter where humans lived to the purely spirit level where God dwelled. The spheres between the two contained other parts of the "world," populated by classes of angels, spirits and demons. This view was especially prevalent in Jewish apocalyptic thought, which saw various figures and activities involved in the coming end of the world as located in these layers above the earth. [...] In his divine form and habitat a god could not suffer, and so he had to take on some semblance to humanity (eg, Philippians 2:8, Romans 8:3); his saving act had to be a "blood" sacrifice (e.g., Hebrews 9:22) because the ancient world saw this as the basic means of communion between man and Deity; and it all had to be done within humanity's territory. But the latter could still be within those lower spiritual dimensions above the earth which acted upon the material world. And in fact this is precisely what Paul reveals. (http://jesuspuzzle.humanists.net/parttwo.htm)

[4][...] everything in Paul points to a belief in an entirely divine Son who "lived" and acted in the spiritual realm, in the same mythical setting in which all the other savior deities of the day were seen to operate. (http://jesuspuzzle.humanists.net/preamble.htm)

[5] In fact, scripture was full of predictions that the Christ, the Messiah, would be descended from David. Paul, in reading these, would have applied them to his particular version of the Son, the Son who was a spiritual entity, not a human one. (http://jesuspuzzle.humanists.net/supp8.htm)

[6] Paul is using kata to refer to something like “in the sphere of the flesh” and “in the sphere of the spirit,” which is a suggestion put forward by the eminent scholar C. K. Barrett. Such a translation is, in fact, quite useful and possibly accurate. (Ibidem.)

[7] But what did Barrett mean by "sphere" in that context? Here it is:
""in the sphere of the flesh, born of the family of David; in the sphere of the Holy Spirit, appointed Son of God."[Barrett's unorthodox translation of Ro1:3-4a]
The preposition here rendered 'in the sphere of' could also be rendered 'according to,' and 'according to the flesh' is a common Pauline phrase; in this verse, however, Paul does not mean that on a fleshly (human) judgment Jesus was a descendant of David, but that in the realm denoted by the word flesh (humanity) he was truly a descendant of David."
C. K. Barrett, The Epistle to the Romans, page 20
Barrett never meant a fleshy & demonic lower heaven, in any context. Not even close! (http://historical-jesus.info/djp2)

[8] Since Paul has just defined this “seed” as Christ himself, some claim that this is a clear reference to the arrival of Jesus in the historical sense. But they overlook the fact that such a definition was made in order to link the gentiles to Abraham through Christ, so it is the present-day believing gentile who can be in mind here. (http://jesuspuzzle.humanists.net/supp8.htm)

[9] “And his ‘born of woman’ is not only something that was said of certain mythical savior gods, like Dionysos (...)” (Ibidem.) Porém, de tudo que sei sobre Dionísio, seu nascimento ocorreu na terra. Muller também nota que outras figuras que Doherty diz que eram pensadas como “espirituais”, como Mithra, na verdade eram tidas como sendo terrenas.

[10] Some examples of "born of a woman" to mean "human being":

In the Old Testament:

Job 14:1
Man, that is born of a woman, Is of few days, and full of trouble.

Job 15:14
What is man, that he should be clean? And he that is born of a woman, that he should be righteous?

Job 25:4
How then can man be just with God? Or how can he be clean that is born of a woman?

Dead Sea Scrolls c100 BCE http://www.voxdeibaptist.org/anthropology_Pauline.htm

c. 1QH 10.23 What is the spirit of flesh to fathom all these matters and to appreciate your great and wondrous secret? What is someone born of woman among all your awesome works? He is a structure of dust shaped with water, his base is the guilt of sin, vile unseemliness, source of impurity, over which a spirit of degeneracy rules.

Talmud c200 CE http://www.come-and-hear.com/editor/critwords_2.html

Tractate Shabbath 88b
When Moses ascended on high, the ministering angels spake before the Holy One, blessed be He, 'Sovereign of the Universe! What business has one born of woman amongst us?' 'He has come to receive the Torah,' answered He to them.

http://www.sacred-texts.com/jud/hl/hl07.htm

Tosephoth asks, "Why was not Eve numbered among these beauties, since even Sarah, in comparison with Eve, was an ape compared to a man?" The reply is, "Only those born of woman are here enumerated." (http://members.optusnet.com.au/gakuseidon/God_Who_Wasnt_There_analysis_update.htm, ênfases dele.)

[11] Burton also notes that the word usually translated as “born” (genomenon) is not the most unambiguous verb to use for this concept; a form of gennao, to give birth, would have been more straightforward. Instead, Paul uses a form of ginomai, which has a broader meaning of “to become, to come into existence.” “Out of woman,” of course, implies birth, but the point is, the broader concept lends itself better to the atmosphere of myth, if that is what Paul has in mind.(http://jesuspuzzle.humanists.net/supp8.htm)

[12] However, the same Greek word is occasionally (& justifiably) translated as "born":
- Plato's Republic, 8.553 "... When a son born ['genomenos' (root 'ginomai')] to the timocratic man at first emulates his father ..." (Paul Shorey's translation)
- Josephus' Ant., I, XIX, 8 "... and when she [Lea] had born ['genomenou' (root 'ginomai')] a son, and her husband ... reconciled to her, she named her son Reubel ..." (Wm. Whiston's translation)
- Josephus' Ant., VII, VII, 4 "... the child that was born ['genomenw' (root 'ginomai')] to David of the wife of Uriah ..." (Wm. Whiston's translation)
- Pausanias' Description of Greece, 1.5.2 "... Antiochus, one of the children of Heracles borne ['genomenos' (root 'ginomai')] to him by Meda daughter of Phylas ..." (W.H.S. Jones & H.A. Ormerod's translation) (http://historical-jesus.info/djp2, ênfases dele)

[13] [...] Paul actually says in the same letter that one woman he is talking about is allegorical, representing the "heavenly" Jerusalem, not an actual woman (Gal. 4:23-31). That this is the same woman is suggested by the fact that this passage perfects an argument connected with the previous one, employing similar metaphors and vocabulary. It is thus consistent with Paul's own writings that he meant Jesus was born from the "woman" who is the Heavenly Jerusalem (thus fulfilling scripture and the logic of Paul's Christology). (http://www.infidels.org/library/modern/richard_carrier/jesuspuzzle.html)

[14] E nisto Paulo provavelmente busca alfinetar os judaizantes na Galácia que alegavam, falsamente, procedência da igreja em Jerusalém.

[15] The term ‘brother’ (adelphos) appears throughout Paul's letters, and was a common designation Christians gave each other. In 1 Corinthians 1:1 Sosthenes is called adelphos, as is Timothy in Colossians 1:1. Neither of them, nor the 500+ ‘brothers’ who received a vision of the spiritual Christ in 1 Corinthians 15:6, are being designated as siblings of Jesus or anyone else. ‘Brothers in the Lord’ (ton adelphon en kurio) appears in Philippians 1:14 (the NEB translates it ‘our fellow-Christians’). Surely this is the clue to the meaning of the phrase applied to James. Indications are that James was the head of a particular conventicle in Jerusalem which bore witness to the spiritual Christ, and this group may have called itself ‘brethren of the Lord.’ [...]

Let's take a close look at 1 Corinthians 9:5, [...] and note especially the words Paul uses. Here is a literal translation: ‘Have we not the right to take along a sister (adelphen), a wife, as do the rest of the apostles and the brothers (adelphoi) of the Lord and Cephas?’ Look at the word ‘sister’. No one would say that Paul is referring to his own or anyone else's sibling. He means a fellow-believer of the female sex, and he seems to use it in apposition to (descriptive of) the word "wife". (http:\\jesuspuzzle.humanists.net/rfset3.htm)

[16] In both pagan and Jewish parlance, the word archontes could be used to refer to earthly rulers and those in authority (as in Romans 13:3). But it is also, along with several others like it, a technical term for the spirit forces, the "powers and authorities" who rule the lowest level of the heavenly world and who exercise authority over the events and fate (usually cruel) of the earth, its nations and individuals. [...] The term aion, "age," or sometimes in the plural "ages," was in a religious and apocalyptic context a reference to the present age of the world, in the sense of all recorded history, since the next age was the one after the Parousia when God's Kingdom would be established. One of the governing ideas of the period was that the world to the present point had been under the control of the evil angels and spirit powers, and that the coming of the Kingdom would see their long awaited overthrow. [...] Thus, "rulers of this age" should not be seen as referring to the current secular authorities who happen to be in power in present political circumstances. Rather, Paul envisions that those in the present age who have controlled the earth and separated it from heaven, the evil angelic powers, are approaching their time of "passing away" (2:6). They did not understand God's purposes, namely their own destruction, when they inadvertently crucified "the Lord of glory." (http://jesuspuzzle.humanists.net/supp3)

[17] Although they do not actually use the word archon in their text, Doherty cites a few parallel passages from Paul to prove his point, and he begins by quoting Ephesians 3:9-10:

...and to make plain to everyone the administration of this mystery, which for ages past was kept hidden in God, who created all things. His intent was that now, through the church, the manifold wisdom of God should be made known to the rulers and authorities in the heavenly realms...

[...] "Here the rulers are clearly identified as the ones in heaven," we are told.

es [Does?] indeed: That is quite obvious. This is exactly the sort of "clarity" that is missing in 1 Cor. 2:8. Clarity is found, however, in Ephesians 2:2, the only other place besides Romans 13 and 1 Corinthians 2 where Paul does use archon:

...in which you used to live when you followed the ways of this world and of the ruler of the kingdom of the air, the spirit who is now at work in those who are disobedient.

Here archon is used in a singular sense, and again Paul adds modifiers - "of the kingdom of the air"; "spirit" - which differentiate this ruler from an earthly ruler. Where is the modifier in 1 Cor. 2:8? [...]

A second example is offered from Colossians 2:15 –

And having disarmed the powers and authorities, he made a public spectacle of them, triumphing over them by the cross.

Here we have no specific modifier, but Paul uses this phrase "powers and authorities" in Colossians (1:16, 2:10) to designate powers that include the supernatural. (Let it be added here that if 1 Cor. 2:8 really DOES mean supernatural powers, then it is somewhat inconsistent with this verse above: For in the first instance, the "powers" would be responsible for crucifying Jesus; here, Jesus' crucifixion is an act of triumph over them.) (http:\\www.tektonics.org/doherty/doherty4sq.html)

[18] Scholars who balk at this interpretation of Paul's words and declare that he simply means the earthly powers which the Gospels specify (e.g., Anchor Bible, p.164), are bucking even ancient opinion. Ignatius uses the term archon in a thoroughly angelic sense (Smyrneans 6:1). Origen regarded the archonton of 2:8 as evil spiritual beings, and so did the gnostic Marcion. (http://jesuspuzzle.humanists.net/supp3)

[19] Re Ignatius: Let it be noted that Ignatius does NOT have any reference to 1 Cor. 2:8, and that he, too, offers specific modifiers:

...even heavenly powers and the glory of angels and the rulers, both visible and invisible...

As for Origen and Marcion - I daresay that the former, with his tender mysticism and penchant for allegorization, and the latter, with his tendency towards Gnosticism, are hardly authoritative sources on the matter. They would be inclined to interpret ANY passage in a mystical sense if possible within their own paradigms, as the evidence of the rest of their works demonstrates. (http:\\www.tektonics.org/doherty/doherty4sq.html)

[20] Modern scholars like C. K. Barrett (First Epistle to the Corinthians, p.72), Paula Fredriksen (From Jesus to Christ, p.56), and Jean Hering (The First Epistle of St. Paul to the Corinthians, p.16-17, a brief but penetrating analysis), have felt constrained to agree. [...] Paul Ellingworth, A Translator's Handbook for 1 Corinthians, p.46, states: "A majority of scholars think that supernatural powers are intended here."

[21] Despite the evidence against it, it will probably not die easily, since those interpretations that see Gnostic backgrounds to much of what is beingsaid here are particularly dependent on this interpretation to make them work. (FEE, Gordon D. The First Epistle of Corinthians. Página 104, nota 23)

[22] The linguistic evidence is decisive: (1) the term archontes is never equated with the archai of Col. 1:16 and Eph. 6:12; (2) when archon appears in the singular it sometimes refers to Satan; but (3) there is no evidence of any kind, either in the Jewish and Christian writings until the second century, that the term was used to demons; and (4) in the NT it invariably refers to earthly rulers and unambiguously does so in Paul in Rom. 13:3. (Idem, Página 104, n. 24)

[23] This finality of God's wrath must refer to an event on the scale of the first Jewish War (66-70), when the Temple and much of Jerusalem were destroyed, not, as is sometimes claimed (e.g., by R. E. Brown), to the expulsion of Jews from Rome (apparently for messianic agitation) by Claudius in the 40s. This gleeful, apocalyptic statement is hardly to be applied to a local event which the Thessalonians may or may not have been aware of several years later. [...]There are also those who question whether any such persecution of Christians took place prior to 70 (see Douglas Hare, The Theme of Jewish Persecution of Christians in the Gospel According to St. Matthew, p.30ff.), indicating that perhaps even verse 14 is part of the interpolation, by someone who had little knowledge of the conditions in Judea at the time of Paul's letter. [...]

The second reason scholars tend to reject this passage as not genuine to Paul is because it does not concur with what Paul elsewhere says about his fellow countrymen, whom he expects will in the end be converted to Christ. The vicious sentiments in these verses is recognized as an example of "gentile anti-Judaism" and "foreign to Paul's theology that 'all Israel will be saved'." (http://jesuspuzzle.humanists.net/supp3)

[24] Por exemplo: “Ele [Paulo] não teve contato com o Jesus terreno; não ouviu o seu ensinamento ou experimentou a sua presença ou influência espirituais. Inteligente como era, ele passou ao longo do terreno escorregadio e imaginou uma abordagem nova, não histórica, do Senhor Jesus Cristo, que não apresentasse desvantagens óbvias para ele.” (VERMES, Geza. As Várias Faces de Jesus. Editora Record. Rio de Janeiro, 2006. Página 84, cf. 87-88.)

[25] Observações similares podem ser feitas para as outras epístolas do Novo Testamento.