domingo, 27 de maio de 2012

Considerações sobre os ateísmos

Há algo significativo que venho notando nas discussões sobre a existência de Deus: aqueles que recusam-na, são denominados de forma bem genérica como ateus. Tenha calma, leitor, não quero negar que quem não acredita em Deus é ateu. Deixe-me exemplificar o que quero dizer com "forma genérica" voltando-me para os que creem em Deus. Esta característica diz muito pouco sobre o que a crença realmente é: pode se ser, por exemplo, teísta, deísta ou panteísta. Cada um desses grupos ainda não é específico o suficiente, existindo dentro deles outras divisões. Por exemplo, um teísta pode ser monoteísta ou politeísta, e cada uma dessas opções possui seus grupos específicos. Acho que já está claro o meu ponto.

Da mesma forma, o ateísmo possui suas sub-divisões. Existem várias visões de mundo atéias, que tem em comum a não-existência de Deus mas discordam em inúmeros outros pontos. Por exemplo, na questão do sobrenatural. Estamos acostumados, no ocidente, a um ateísmo materialista e naturalista, mas existem religiões no oriente (como o Jainismo, por exemplo) que recusam a existência de uma divindade mas acreditam no céu e inferno, reencarnação, milagres etc. (O Budismo não rejeita explicitamente a existência de Deus, mas suas crenças não necessitam dela, sendo muitos budistas praticantes ateus.) Da mesma forma, um ateu pode defender a moral judaico-cristã (cf. www.godlessprolifers.org para ver ateus que se opõem ao aborto), enquanto outro a rejeita.

Na maioria das vezes que alguém fala sobre o ateísmo, nunca leva isso em conta, descrevendo os ateus genericamente, como um bloco maciço. Até muitos ateus agem assim. Ilustrarei isso através da clássica afirmação de que é quem afirma a existência de Deus, não quem a nega, que tem o ônus da prova sobre sua alegação (quem diz isso esquecem também que toda afirmação pode ser transformada em negação e vice-versa). Ora, ainda que um ateu negue a existência de Deus, essa negativa implicará em uma série de afirmações acerca da realidade, as quais, caso ele queira promover sua visão de mundo, deverão ser justificadas de alguma forma.

Críticas ao ateísmo também tendem a padecer do mesmo problema. Muitas vezes elas se baseiam em declarações como "o ateísmo leva a determinismo" que são verdadeiras apenas para certos tipos de ateísmo (Alguém poderia argumentar que a conciliação feita entre, nesse caso, a descrença em Deus e o livre-arbítrio não se sustenta, o que é diferente de afrimar que todos os ateus devem ser necessariamente deterministas). Há quem faça ligação obrigatória entre ateísmo e ideologias políticas (geralmente a acusação é de aliação a correntes de esquerda), quando há ateus espalhados ao longo do espectro político. Penso que é possível articular uma crítica contra a negação da existência de Deus (caso contrário, não seria cristão!) mas é preciso estar atento para diferenciar entre ateus e ateus e não lançar um argumento que enfraquece apenas uma visão de mundo atéia e extrapolar isso para todas.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ainda sobre a desunião da Igreja Católica

Já fiz um post aqui sobre a questão da unidade na Igreja Católica Romana, que o meu amigo Jonadabe respondeu no seu blog. Aqui darei prosseguimento a esse diálogo.

Jonadabe respondeu de duas formas ao que eu disse. Primeiro, ele alega que as discordâncias entre os membros da ICAR não implicam numa divisão real dentro desta, pois os que se desviam daquilo que a Igreja ensinou ao longo da história não são católicos verdadeiros:
Isso na verdade só demonstra que não dizemos que há mais de uma Igreja, ou que ambos podem estar certos ao mesmo tempo. Mas que um grupo está com a Igreja e outro não. Um é católico, outro não.
Que ambos não possam estar certos ao mesmo é algo lógico. Mas independente de qual desses grupos seja "verdadeiramente católico", ambos ainda são constituídos de membros comunicantes da Igreja Romana. Mesmo se o que algum deles defende não é o que historicamente foi defendido pela Igreja (ainda que eu ache esta noção problemática) eles estão dentro dela.

Ele tenta exemplificar seu argumento num caso histórico, o da controvérsia sobre a divindade de Jesus, levantada por Ário no século IV:
É católico Atanásio que defende o que sempre foi ensinado, ou Ário? É óbvio que a resposta é que Atanásio é católico, e Ário não. Apesar de estar em templos católicos, a fé dele não é. Essa não é uma divisão DENTRO da Igreja, mas alguém que ensina algo diferente do que ela ensina, e portanto está fora dela.
Sim, o que está de acordo com a verdadeira doutrina cristã é Atanásio. Mas Ário e seus partidários, mesmo assim continuam dentro da Igreja, até o momento em que o Concílio de Nicéia decide pela posição heterodoxa dos mesmos. Até o momento em que alguém é realmente desligado de uma organização, ele continua sendo parte dela, mesmo discordando de seus pontos principais. Este caso é um exemplo disto, ao invés de um contra-exemplo. É assim no catolicismo, no protestantismo e na imensa maioria dos (quiçá todos) grupos religiosos, ideológicos, culturais etc.

O segundo ponto de Jonadabe é que as discordâncias entre os católico-romanos são
pequenas, ao passo que entre os protestantes, são muito maiores, na essência da fé cristã:
Essas diferenças em relação aos protestantismos são imensas, onde um acredita na transubstanciação, enquanto outro não acredita, fazendo com que a diferença não seja só na liturgia (quando existe liturgia), mas nos dogmas, no que pode ou não ser considerado revelação de Jesus. Realmente não sei como ele consegue conciliar isso com o ensino de Jesus e dos apóstolos em relação à unidade.
Primeiro, não há, até onde eu saiba, algum grupo protestante que acredite na transubstanciação. Os luteranos acreditam na consubstanciação, que é a presença espiritual, não física, de Cristo na Eucaristia (mais conhecida no meio protestante como Santa Ceia), todos os outros grupos crendo que o pão e o vinho apenas simbolizam o corpo e o sangue do Senhor.

Segundo, a esmagadora maioria das igrejas protestantes possuem um grupo de crenças em comum: creem na Trindade; nas duas naturezas de Cristo unidas em uma única pessoa; no seu nascimento virginal; em sua morte vicária e expiatória, na sua ressurreição, ascensão e segunda vinda; na salvação através da fé em Jesus; na Bíblia como única regra de fé inerrante para o cristão... Enfim, não me alongarei demais nisso, mas acho que me fiz entender. As discordâncias entre os protestantes se referem a pontos mais laterais e que, retomando o assunto inicial, também existem entre os católico-romanos, como a atualidade dos dons espirituais.

É verdade que há grupos que surgiram do protestantismo e acabam por desembocar em desvios doutrinários enormes. Mas estes acabam sendo rejeitados pela maioria dos protestantes, e muitos deles inclusive rejeitam serem chamados assim (como as Testemunhas de Jeová, já mencionadas nesta troca de artigos).

Quanto ao que disse sobre "ensino de Jesus e dos apóstolos em relação à unidade", gostaria que explicasse melhor sua posição acerca disso.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Para o centenário...

O ano de 2011 vai chegar ao fim em alguns dias. E eu não quero deixar passar em branco aqui o centenáio da denominação que faço parte, a Assembléia de Deus. Em 1911, os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren chegaram no Pará, onde a Assembléia de Deus no Brasil foi fundada. Para lembrar disso, trago aqui um áudio do hino 196 da Harpa Cristã (o hinário oficial da AD) cantado por Daniel Berg.





sábado, 5 de novembro de 2011

Da suposta unidade de Roma

Esse post tem suas origens no blog de meu amigo Jonadabe, o Porque creio. Ele fez o seguinte post:

http://porquecreio.blogspot.com/2011/10/so-para-recapitular.html

o qual tece várias críticas para os protestantes (Jonadabe é um ex-protestante, que se converteu ao catolicismo romano). O principal ponto arguido é que os protestantismo está corroído por divisões, que acontecem a cada instante, enquanto a Igreja Católica Romana continuava "Una".

Diante disso, exerci o direito de defender minha fé, fazendo um comentário no post, no qual eu arguia que a unidade romana era apenas aparente: na verdade, a ICAR continha grupos que discordavam entre si e chegavam a atacar um ao outro. Isso provocou comentários de diversos católicos, que por terem maior extensão responderei aqui mesmo. Estou assumindo que o leitor já conferiu os comentários no post do Jonadabe.

Primeiro, de alguém que usa o nickname "Testemunhos Católicos":
Ora, meu Deus do céu! E o que os ritos e grupos da Igreja afetam a sua unidade? Protestante realmente não sabe o que é unidade. A unidade da Igreja está na sua doutrina e nos seus dogmas, na sua moral e na sua fé. Modos diferente de se viver sempre vão existir, e é justamente nisso que se encontra a unidade da Igreja.

Os ritos? O que isso influencia? Os ritos são modos da missa ser celebrada, de acordo com a cultura e os traços locais. Desde quando tudo tem que seguir o rito ocidental latino? Falando de grosso modo, a maneira que nossas pernas caminham não afetam a nossa caminhada em linha reta.
Concordo perfeitamente com você de que o formato dos ritos não afeta em nada seu significado, nem é uma questão crucial. É exatamente um dos motes de protestantismo. Quando eu falei dos ritos, não estava dizendo que eles comprometem a essência, mas que existem pessoas dentro da ICAR que pensam assim e conclamam um "retorno às origens". Você precisa ir dizer isso para teus correligionários tradicionalistas, que pensam de forma diferente. Para comprovar o que eu digo, confira este singelo parágrafo:
Recordando-me desta doutrina certíssima e irrevogável da Madre Igreja [da Eucaristia] e observando as transformações, convulsões e experiências peculiares do que atualmente ousam qualificar de renovação litúrgica, sou como que forçado a concluir que esta balbúrdia se rege por uma doutrina oposta à doutrina ortodoxa. (http://permanencia.org.br/drupal/node/2118, as enfases são todas do autor)
E este artigo segue dizendo que as mudanças litúrgicas comprometem a transubstanciação e a doutrina do Sacrifício de Cristo. Não que eu concorde com isso, repito (sendo protestante, não creio na transubstanciação), estou apenas demonstrando a que ponto os católico-romanos divergem entre si. E o que vem a seguir é quase uma admissão disto, pela boca de outro tradicionalista:
Então quem está dentro da Igreja? Aqueles que aceitam e procuram por em pratica as falsas doutrinas do Vaticano II ou aqueles que as recusam abertamente para permanecer fieis ao que o Magistério, assistido pelo Espírito Santo, ensinou durante dezenove séculos? (http://www.fsspx-brasil.com.br/page%2005-2ja.htm)
Volto a dizer, não concordo necessariamente com as teses dos tradicionalistas nem estou arguindo por elas. Estou usando-as apenas como exemplo de divisões dentro da ICAR.

Em seguida, o "Testemunhos Católicos" diz:
Os grupos? Isso é piada ou algo parecido? Querer comparar Arautos do Evangelho com Testemunha de Jeová só pode ter algum tipo de problema crônico na cabeça.
Oh, certamente minha comparação foi um pouco desproporcionada. As Testemunhas de Jeová, posto que socinianos e pondo todas as decisões doutrinárias como derivadas de seu "Corpo Governante", nunca desceu ao ponto dos Arautos do Evangelho, que chegam a erigir uma idolatria ao "Sr. Dr. Plínio". Vide:

http://www.montfort.org.br/index.php/blog/nova-confirmacao-do-culto-delirante-prestado-a-plinio-correa-de-oliveira/#more-6723

(Oh, a sempre viva Fundação Montfort, o site católico que mais provê recursos para os protestantes no país...)

Quanto à sua insinuação de que eu tenho "algum tipo de problema crônico na cabeça", sugiro que leia Mateus 5:22.

E logo após:
Protestante é tão complexado com suas 500.000 seitas que parecem que ficam com inveja quando ouvem a palavra "unidade". Ai qualquer cor diferente que vê em um mesmo lugar já diz que quebrou a unidade.
Como eu já mostrei, não sou eu que estou dizendo, são os teus próprios irmãos. Vá reclamar com eles. Aliás, de onde saiu esse seu número aí?

Quero também comentar a declaração de um certo Helder:
É por isso que o restante da Igreja se cala quando Pedro fala no 1º concílio(At. 15) e dissolve a discussão entre S. Paulo e S. Tiago.
Você deve ter uma versão especial do livro dos Atos dos Apóstolos, pois o texto disponível para todos tem um conteúdo completamente diferente. A controvérsia não é entre S. Paulo e S. Tiago, mas entre S. Paulo e judaizantes cujos nomes não são mencionados (At 15:1-2, 5). S. Pedro, como discípulo do Senhor, certamente tem sua parte no Concílio de Jerusalém que resolveu esta questão, mas a última palavra não é sua, e sim de S. Tiago (15:13-21). E a decisão é creditada aos "apóstolos e anciãos, com toda a igreja" (15:22). Não somente isso, mas quando Pedro acaba, em Antioquia, a concordar momentaneamente com os tais judaizantes, é duramente repreendido por Paulo (Galátas 2).

Não quero, porém, focar a discussão no "Primado de Pedro" e sua relação com a autoridade do Bispo de Roma (ainda que seja oportuno fazer isso em outro momento). Meu ponto principal é que os católico-romanos estão suscetíveis de divisões, tanto quanto os protestantes.

domingo, 30 de outubro de 2011

Flamingos mexicanos formam um Megazord

Tá certo que o que mostrarei aqui tem quase um ano de idade, mas ainda assim é bizarro e engraçado: um grupo de flamingos distribuído de forma tal sua visão aérea lembra um flamingo:


A imagem foi tirada no México por um fotógrafo chamado Bobby Haas. Ele havia passado o dia fotografando pássaros e ao sair do local de helicóptero, viu o seguinte fenômeno. Para tornar a situação ainda mais cômica, alguns sugeriram a similaridade com os Megazords de Power Rangers. Caso alguém não teve infância para saber do que se trata, em todas as 12334324 versões de Power Rangers existem robôs tripulados por cada um dos heróis chamados Zords, que podiam se unir para enfrentar inimigos maiores, formando um Megazord.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A bomba norueguesa era cristã? Respondendo a um vídeo

Esses dias vi um vídeo de um ateu chamado Yuri que, numa resposta a um outro vídeo, discutia a relação do ateísmo e do cristianismo no recente massacre realizado na Noruega e na violência em geral:




Por achar o vídeo interessante, e para quebrar o ritmo de posts quase anual desse blog, resovi tecer aqui alguns comentários sobre isso.

Primeiro de tudo, eu não sei se o realizador dos atentados (Anders Behring Breivik, fiz uma copicola disso pois não sabia esse nome) estava impulsionado pelo ateísmo ou cristianismo ou qualquer outra visão de mundo particular. Não li a "Declaração Européia de Independência" que ele deixou na internet, e portanto não sei dizer suas razões. Quero não discutir isso, mas as declarações mais gerais que foram feitas.

Certamente muita gente estranhará que eu estou respondendo não com um vídeo, mas com um texto. É que eu cresci com internet discada, e não tenho lá muita intimidade em ver vídeos muito longos, nem gravá-los e colocá-los na internet -- não por gosto mas por falta de familiaridade. Isso perdura mesmo depois de já ter mais banda de internet.

Existem dois grandes argumentos no vídeo: uma acusação de Falácia do Escocês para os cristãos, e uma catena de trechos do Novo Testamento que supostamente apóiam um comportamento violento, de maneira que o cristianismo tem em sua essência um elemento hostil. Vamos a eles.

A Falácia do Escocês

Primeiro, eu não tenho muito a discordar do que o Yuri disse acerca da Falácia do Escocês. Trata-se basicamente de um argumento ad hoc, em que uma definição ou argumento prévio é alterado perante nova evidência. De fato, cristãos fazem isso certas vezes, num movimento deveras inválido. Deve-se notar que ateus também fazem uso dessa falácia: por exemplo, já vi alguém tentando arguir que Stálin, o cruel governante soviético conhecido pela perseguição religiosa, era na verdade um cristão, pois havia na juventude estudado num internato ortodoxo (!).

Quero notar, porém, que muitos aplicam tal falácia involuntariamente. Geralmente tais cristãos vêm de um ambiente evangélico (do qual eu também faço parte), em que "ser cristão" é sinônimo de uma experiência de conversão, que leva a uma mudança de comportamento e atitudes pecaminosas. Mesmo que a maioria das pessoas no ocidente creia no Deus cristão e em Jesus Cristo (que é a definição básica de cristão), o fato de que eles não deixam tal fé permear toda a sua vida faz com que eles possam não ser considerados "cristãos de verdade".

Há, contudo, casos em que há quantidade de evidência tão forte que o cristianismo de certas pessoas é apenas algo de boca pra fora, em que o argumento de "não é um cristão de verdade" deixa de ser ad hoc e torna-se um argumento legítimo. (E talvez o cara do canal "CasandoOVerbo", citando longos trechos do documento do terrorista que possuem certo teor anti-religioso, tenha feito isso.)

Por último, e mais importante: não é porque alguém de uma dada visão de mundo comete um certo erro que a visão de mundo possa ser responsabilizada por ela. Trata-se de uma outra falácia: falácia de generalização indevida. Da mesma forma, sabemos que governos que aderiram ao ateísmo como posição oficial (como o stalinista citado acima) provocaram massacres em massa de sua população, e nem por isso deve-se concluir que todos, ou mesmo a maioria dos ateus sejam violentos... A atitude de certos cristãos não determina a de todo o cristianismo.

O Novo Testamento incentiva a violência?

Se eu concordo basicamente com o primeiro argumento do Yuri, discordo totalmente do segundo, que falha miseravelmente. Ele faz várias citações do Novo Testamento, onde Jesus ou os apóstolos estariam apoiando a violência, como algo desejado por Deus. Na verdade, ele compreendeu bem pouco esses textos. Eu comentarei a catena dividindo-a em três grupos:

1- Textos que falam de assuntos completamente diferentes de violência;
2- Textos que são na verdade citações do Antigo Testamento, utilizado pelo autor para realizar um argumentação;
3- Textos que falam de atos divinos em relação ao mundo, dos quais o cristão não toma parte.

Vou demonstrar isso com alguns dos textos (não todos os que o Yuri citou, por razões de espaço):

1- Textos que falam de assuntos completamente diferentes de violência:
Por exemplo, Mateus 10:34-37:
Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra, e assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.
Na verdade este texto está falando da perseguição que os cristãos sofreriam, que seriam realizadas até mesmo pelos familiares deles, não de uma ordem para que os cristãos iniciem uma guerra violenta contra os não-cristãos. Bastava ler um pouquinho acima no mesmo capítulo paar entender isso:
Acautelai-vos, porém, dos homens; porque eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas, e sereis até conduzidos à presença dos governadores, e dos reis, por causa de mim, para lhes servir de testemunho a eles, e aos gentios. Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como, ou o que haveis de falar, porque naquela mesma hora vos será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós. E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai o filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e os matarão. E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. (Mt 10:17-22)
Talvez alguém objete que não se deve exigir a defesa até à morte de uma causa (o que eu acho bem improvável, já que isso é reconhecido em outros pontos como, a questão da proteção de outrem), mas isso está fora do escopo desse post. É claro que não há aqui nenhuma incitação de violência por Jesus, mas a ordem de suportar a violência feita contra eles. É o mesmo caso de Lucas 12:49-53 e João 12:25.


2- Textos que são na verdade citações do Antigo Testamento, utilizado pelo autor para realizar uma argumentação:

Um exemplo disso é quando Yuri cita Mateus 15:4-7 (ele só lê o versículo 4, porém):

Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. (inseri o versículo 8 para melhor compreensão)
Obviamente, Jesus não está ordenando que os cristãos matem quem desrespeita o pai e a mãe (e ao contrário do que o Yuri diz, o texto do AT citado não está falando de crianças, mas isso já é outra história). Ele está arguindo contra a prática de abandonar o pai e a mãe com o pretexto de estar oferecendo a possível ajuda a eles "ao Senhor" (i.e., como uma oferenda no Templo). Jesus demonstra como Deus abomina a negligência com os pais através do texto supracitado, logo tal prática acabava indo contra o que Deus ordenava e punha a mostra a falsa religiosidade dos proponentes dessa prática.


3- Textos que falam de atos divinos em relação ao mundo, dos quais o cristão não toma parte:

Essa é a categoria onde o Yuri é mais infeliz nas suas colocações. São ou descrições de algum ato punitivo divino, ou o anúncio dele. Por exemplo, quando Jesus emite juízos contra Corazim, Betsaida e Cafarnaum (Mt 11:20-24), é Deus quem irá castigar esses locais por terem se recusado a se arrepender (e pela linguagem usada, não se trata nem de algo realisado no plano temporal, mas no além-túmulo), e não há nenhuma incitação de que os cristãos destruam essas cidades (ou qualquer outra que recusa os ensinamentos de Jesus).

Alguém pode argumentar que Deus não tem direito de aplicar tais punições e isso o torna cruel, mas isso está além do escopo desse artigo. O que importa aqui é que tais ações divinas não incitam a violência por parte dos cristãos -- na verdade, elas são razão para a não-violência dos cristãos, vide Romanos 12:18-20:

Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.

Logo, a destruição das cidades galiléias acima, a cegueira de Elimas por ele ser um mago anti-cristão, a morte de Ananias e Safira por sua mentira e a praga sobre Herodes, sendo todos exemplos de punições divinas sobre alguém, não pode ser modelo para as ações dos cristãos, pois tais atos são exclusivamente divinos. Tomar a incubência de realizá-los seria tentar tomar o lugar de Deus.

Gostaria de fazer também uma correção no que foi dito sobre a morte de Herodes. Na verdade, ele não foi "atacado de vermes" por simplesmente não ter dito "glória à Deus", mas por ter deixado que uma adoração lhe fosse dada (mas o contexto do capítulo parece sugerir também uma punição pela perseguição aos cristãos por ele deflagrada, cf At 12:1-3, 19):

E num dia designado, vestindo Herodes as vestes reais, estava assentado no tribunal e lhes fez uma prática. E o povo exclamava: Voz de Deus, e não de homem. E no mesmo instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus e, comido de bichos, expirou. (Atos 12:21-23)


sábado, 20 de agosto de 2011